quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

SUPERDEUSES

O que vou publicar neste post, que também é uma promessa de reativar meu blog sobre o livro Big Book of the Unexplained, é um pedaço da alma do livro Supergods escrito por Grant Morrison. É um trecho do capítulo onde ele descreve sua abdução que ocorreu em Katmandu em meados dos anos noventa e foi responsável por mudar sua vida e amarrar seu trabalho em volta de um propósito. Quem me conhece sabe como sou entusiasta deste fabuloso escritor de quadrinhos, e se você está lendo estas palavras pela primeira vez, vá nas bancas comprar qualquer coisa escrita por ele (Ok. Talvez seja melhor pular Crise Final, não por falta de qualidade).
A razão de publicar este trecho é que o que é descrito abaixo, além de ressoar absurdamente com o que eu consegui interpretar do mundo, tem o potencial de mudar um pouco a maneira de ver a sí mesmo e aos seus semelhantes. E semelhança é a palavra aqui.
Sem mais a dizer, é só ler!

Lima


SUPERDEUSES - O que vigilantes mascarados, mutantes milagrosos, e um deus do sol de Pequenópolis pode nos ensinar sobre ser humanos

O trecho a seguir vem do capítulo 18 "O homem do mistério musculoso" do quarto parágrafo da página 272 até a o final do primeiro parágrafo da página 281.



Haviam mais criaturas como as bolhas prateadas que me trouxeram para cá se movendo pelo vasto espaço azul do além. Quando um deles atravessava minha substância, deixando uma corrente arrebatadora de emoções, eu escutava a voz de minha mãe dizendo, “Na próxima vez eu serei você e você poderá ser eu.” Via pelo meu próprio reflexo que também eu era um Hiper-ser mercurial e me lembrei de que sempre fui assim. Estava tranqüilo com isso. Compreendi que todos nos éramos secções holográficas de algo invisível para mim em seu conjunto; lembraram-me de como “me plugar” na grade de linhas prateadas que zuniam e reluziam dentro e fora da existência a minha volta. Estes padrões de xadrez, descobri, eram as entradas e saídas de informação pura. Existia o tempo e o espaço, mas estes eram dimensões inferiores, úteis para a criação de mundos da mesma maneira que artistas de quadrinhos desenhavam mundos vivos no papel. Eu estava em um dia perfeito infinito, absorvendo a eterna criação.
Visando ajudar a explicar para meus sentidos aturdidos o que estava acontecendo e por que estava aqui, os seres se empolgavam em mostrar o universo do qual eu acabava de sair e como ele se parecia. Quando o vi, era um universo entre vários, encapsulados em algo que me parecia um tipo de estábulo de incubadoras.
O universo – todo o continuum espaço-tempo, do Big Bang até o fim do calor – não era um fluxo linear de eventos com começo, meio e fim. Tudo isso era apenas como parecia estando dentro dele. Na verdade, a totalidade da existência se parecia mais com uma bola coberta com esfíncteres, continuamente se movendo por entre si mesma de uma maneira hipnótica e impressionante de se observar. Lá estava Shakespeare rabiscando Rei Lear em um papel enrugado e virando a esquina dali, eternamente fora da sua linha de visão, estava o período Cretáceo com tiranossauros passeando pelo chalé de sua mulher Anne Hathaway (?).
E, como que para confirmar que o nosso não é único universo que existe, explicaram-me que o que o que estava vendo era um tipo de enfermaria. Para desenvolver suas “crias”, os anjos cromados precisavam “fazer” o tempo, por que, como apontaram com razão, apenas no tempo as coisas poderiam crescer; se desenvolver, da maneira que eu entendia. O tempo é um tipo de incubadora, e toda vida na terra era uma única coisa, uma única e estranha Mega-hidra com aparência de anêmona com sua imortal raiz unicelular enterrada nas marés pré-crambianas e seus bilhões de galhos sensoriais, das samambaias até as pessoas, com cada detalhe tendo um papel no ciclo vital de um super-organismo que vagarosamente se torna mais complexo e ciente de si mesmo. Era como se tivessem me mostrado um deus infante, ligado a um sistema de suporte de vida placentário chamado Terra, onde podia se tornar maior, mais elaborado, mais conectado e mais inteligente. Crescendo em suas pontas haviam partes de máquinas, ferramentas ciborgues construídas com os recursos minerais do planeta. Parecia manufaturar em volta de si um casulo parcialmente mecânico, como uma armadura ou roupa espacial. Nós eramos “aquilo”, todas as vidas vistas como uma pela perspectiva de uma dimensão mais elevada.
Disseram-me para retornar e assumir minha responsabilidade como parteiro deste gigantesco e cru sistema nervoso. Era importante garantir o crescimento e desenvolvimento apropriado da larva e garantir que esta não entre em pânico ou se esforce demasiado quando for a hora de acordar para sua real natureza de forma de vida singular. Incidentalmente, o que experimentamos como “mal” é o efeito da inoculação contra um tipo de doença cósmica, de forma que não deveria me preocupar muito.
Sentia-me esmagado pelo repentino peso da minha carne em minha cama, o chiado da respiração, a cacofonia de sons retornando e o quarto se desmontava em reverso para fora do vazio, como um kit se montando ao abrir de meus olhos. O sentimento de perda, a queda do paraíso, era de partir o coração, mas era, também, minha história de origem – minha nomeação pessoal na corporação cósmica, o exército da luz.
Minha experiência (de vida, como mago experimental) estava indo muito bem realmente.
No dia seguinte, Ulric e eu voamos para casa por Frankfurt, onde me tranquei em um quarto de hotel no aeroporto preenchendo dúzias de páginas na tentativa de descrever o que havia acontecido comigo no Nepal. Na pior das circunstâncias, me vi com idéias para quadrinhos capazes me manter trabalhando pelos próximos cinqüenta anos.
Mas havia muito mais: Logo descobri que fui mandando de volta a terra com meu próprio super poder. Eu era agora capaz de “ver” em uma perspectiva 5-D. Tornou-se impossível olhar um copo, por exemplo, sem vê-lo como a superfície visível de algo muito maior e ainda mais surpreendente; algo que estava retornando através de seu progresso até minha mesa e além, de volta a sua manufatura. O copo era o topo de um fio que, se pudesse acompanhar através do tempo, tinha uma ligação física imediata com origens nos berços de lama criados pelo desgaste das rochas primordiais, compostas de elementos gerados de uma estrela em resfriamento que era, ela mesma, uma fagulha flamejante de uma inimaginável explosão que ainda ocorre desde a aurora do tempo e da existência. Este simples copo havia sido todas estas coisas. Um dia se partiria, mas os fragmentos continuariam para sempre. E se um copo é um espetacular processo contínuo em constante transformação de destruição e reconstrução, o que dizer do corpo humano, se transformando extravagantemente e mais completamente que qualquer lobisomem de efeitos especiais jamais poderia visualizar, de pequena e macia infância, para um auto-replicante corpo adolescente rijo maduro e consciente de si, para uma meia idade flácida dando lugar então a uma geriatria de folhas ressequidas? O quanto nosso corpo mudou completamente desde que você teve cinco anos de idade? Mesmo na morte, nosso processo físico continua; séculos reduzem nossos corpos a poeira, reciclando cada átomo de forma que o ar que respiramos hoje pode conter uma partícula do que antes foi Napoleão. Um átomo de ferro em seu corpo pode ter sangrado da testa de Jesus Cristo.
Eu podia ver o corpo das coisas e das pessoas como as superfícies planas de processos muito mais complexos e elaborados que ocorrem em uma dimensão elevada em relação a nossa. Cada vida humana se torna uma trilha extensa através do tempo, não apenas com quatro membros e dois olhos, mas com múltiplos membros e bilhões de olhos que se contorcem retornando do passado ao presente momento e avançando para o futuro. Um cipó, um galho desta imensa e intricadamente crescente arvore viva. Esta biota, como a ciência chama a totalidade da vida na Terra.
Acrescentando tempo a imagem do mundo era como acrescentar perspectiva na pintura da renascença ou encontrar espaço no espectro luminoso para mais bilhões de cores, ou para trilhões de novos canais de TV nas ondas aéreas. Não havia mais a necessidade de espíritos ou alienígenas. Tudo era imortal e sagrado, não como resultado de alguma essência sobrenatural misteriosa, mas como conseqüência de sua natureza material no tempo. Nós mesmos éramos milagrosos, há muito divinos em nossa gloriosa e ordinária impossibilidade. E era a consciência que fazia tudo ganhar vida, encontrando estrutura e simetria no mundo fazendo-o cantar e chorar e dançar. Tive certeza que de alguma maneira o que nós chamamos de consciência se revelaria o tão almejado campo unificado.
Eu via que o passado precisava existir em algum lugar para que possamos estar aqui hoje, mas ninguém podia nos levar lá ou sequer apontar em sua direção. Eu estava agora bastante ciente de meu papel como a cabeça de ponte ou vanguarda de algo que estava avançando adiante no tempo. Porém, mais importante, isto se esticava atrás de mim, com trinta e quatro anos de comprimento, encolhendo em sua calda bebê onde se contorcia para dentro do ventre de minha mãe e se curvava até virar uma semente, um broto, gerado da própria totalidade dos trinta anos da existência física, de múltiplos membros, de minha mãe, de seu nascimento até o meu. Ela, por sua vez, se esgalhava de volta para dentro de sua própria mãe; e assim por diante retornando todo o caminho até a aurora da vida na Terra em uma única e inquebrável linha.
E o mesmo era verdade para todos nós. Tudo que já viveu era uma muda vinda da mesma árvore, um dedo da mesma mão. Adicione tempo, e fica escandalosamente óbvio que toda a arvore da vida na Terra estava viva e fisicamente conectada, mesmo após três bilhões de anos e meio. Não de uma maneira metafísica qualquer, mas literalmente, materialmente, retornando no tempo até sua raiz. A mesma célula mitocondrial primária que iniciou seu processo eterno de auto-clonagem no oceano primordial estava e está ainda se dividindo dentro de cada um de nós.
Seria mitocôndria a palavra secreta da ciência para “alma”? Poderia a presença de um organismo assexuado imortal nas profundezas do nosso ser físico responsável de alguma maneira pela sensação que temos de uma essência nômade, imortal e infinitamente sábia? Seria toda minha experiência um tipo de dialogo com minha própria estrutura celular? Um tipo de compreensão literal do axioma Hermético “Assim na terra como no céu”? Era eu apenas uma célula do corpo da única forma de vida da terra? Minha relação com esta consciência primordial era a de uma célula T para um corpo humano, por exemplo? E seriam soldados células caçador-assassinas?
Quando eu morrer, outros como eu me substituiriam e fariam exatamente o que eu fiz. Sempre existiriam escritores, contando sempre as mesmas histórias fundamentais. Sempre existiriam professores e policiais também; houve alguma época em que não nascessem policiais? Cada um dos 10 bilhões de epitélios que se soltam da pele a cada dia eram cheios de vida e labor, mas quem vela por estes incansáveis trabalhadores que vivem e morrem em números impressionantes apenas para manter uma existência humana por algo mais que oitenta anos? A única coisa que fazia de mim, ou qualquer um de nós, especial era que ninguém em toda a história jamais veria o universo exatamente da mesma maneira que qualquer um de nós já viu.
Como uma lagarta mascando seu alegre e despreocupado caminho através de uma folha, a entidade global, a besta biota de que todos nós fazemos parte aparentava estar devastando o ambiente, mas algo mais estava ocorrendo em uma outra escala. A criatura estava se alimentando para nutrir sua metamorfose. Até mesmo o aquecimento global poderia ser visto como uma parte de um período de incubação, um sinal de desenvolvimento larval atingindo seu crescendo, nos forçando todos a acordar, nos mover e deixar o planeta se recuperar.
Seja o que for – de qualquer maneira que você, leitor, escolher interpretar esta informação – a experiência me reescreveu por completo. Foi um momento demudar vidas, demudar o jogo, que alterou a trajetória da minha vida e do meu trabalho. Deu-me até um tipo de fé inabalável em uma religião privada e particular que satisfatoriamente explicava tudo sobre como as coisas funcionam.
Fui amaldiçoado ou abençoado com visão de super-herói, uma revelação de ficção científica que parecia atrair para um centro todas as pontas soltas da minha vida de forma que tudo fazia sentido. Meu interesse em dimensões superiores, minha obsessão com OVNIS e alienígenas, meu trabalho criando estórias para universos de bolso – tudo finalmente se juntava.
No onipresente mundo azul, tudo isso já havia ocorrido. O bebê já havia nascido totalmente crescido como uma mosca que nasce de um verme. Algo do que tentavam me mostrar era simplesmente muito fantástico, muito dependente de topografias dimensionais mais altas para uma mente 3-D conter. Eles continuamente me pediam para me lembrar do máximo que pudesse, o melhor que pudesse, por que muitos de seus conceitos eram simplesmente além da minha compreensão e não sobreviveriam a um retorno a consciência humana. “Eles” no caso, sendo vozes distintas que vinham de dentro mim e de algum outro lugar.
A Televisão fala da “quarta parede” de um set de filmagens como sendo a própria tela. Se for assim, esta experiência foi uma espiada além da quinta parede de nossa realidade compartilhada. Inteligências penta-dimensionais poderiam, como uma propriedade de suas posições geométricas elevadas, adentrarem nossos crânios facilmente, e poderíamos experimentar suas vozes como se viessem de dentro de nós. Por outro lado, eles poderiam ler nossos pensamentos tão facilmente quanto nós podemos ler os monólogos privados de Batman em uma página 2-D. O interior de nossos crânios contém um portal para o infinito. Se minha experiência não era uma metáfora, podem existir coisas vivendo lá, naquele gigantesco nicho ecológico?Poderiam planetas férteis e úmidos como a terra realmente serem berçários onde omni-anêmonas se alimentavam e cresciam para rapidamente se tornarem anjos prateados em um agora sem fim?
Todo este interlúdio, devo repetir, foi muito mais “real” que qualquer outro que eu tenha experimentado, antes ou depois. As cores eram mais resplandecentes, como se brilhassem em um monitor HD celestial. As emoções eram mais sublimes, suas palavras expressas como gigantescas, perfeitas e orquestradas agregações de símbolo, emoção e metáfora. A definição das coisas, especialmente sentimentos, era mais afinada e a sensação de estar são e salvo e finalmente em casa era devastador, assombroso. Imagine a precisão laser e a clareza cristalina dos gráficos de computador elevados a décima potência, ainda assim você não estaria nem perto deste lugar. Mesmo o vasto e estrelado quarto quântico de sonho em que me sento e escrevo, enquanto armadas de navios subiam e desciam o brilhante lago iluminado pelo sol, podiam muito bem ser um sinal de TV preto e branco dos anos 50 comparado com a pureza do Elysium de ficção científica de Katmandu.
Compreender esta experiência destruidora de limites se tornou fundamental para o que eu estava fazendo, e eu comecei a me deixar livre, a borrar os limites entre o que era real e o que era inventado.
O que aconteceu comigo pode ser interpretado de inúmeras maneiras. Para alguns, com certeza não passa de uma história de viagem sem relevância com o mundo material. Ocultistas de um determinado tipo reconhecerão o conhecimento e o diálogo como sendo do santo anjo da guarda. Minha experiência encaixa confortavelmente nos perfis de relatos de abdução alienígena, contato angelical e epilepsia do lobo temporal. Nenhuma destas “explicações” para o que eu vi, vindo elas de um universo mais achatado e de baixa resolução, fazem jus a minha experiência. Em se tratando de dimensões superiores, é sábio lembrar da história dos cegos e do elefante* e considerar que todas as tentativas de enquadrar Katmandu em termos 3-D são de alguma maneira absolutamente verdade. Mas se fica mais fácil de lidar, sinta-se livre para considerar que eu alucinei toda a coisa e fiquei completamente, gloriosamente, e muito lucrativamente louco.
Eu parei de empilhar racionalizações e passei a lidar com o que podia ser provado sobre este evento, que foi o inegável efeito positivo em minha vida. Katmandu me reprogramou profundamente e me deixou com uma certeza mais forte que a fé de que tudo, até aquilo que é mais triste e doloroso, estava acontecendo exatamente da maneira que deveria acontecer.
Tudo dará certo, tudo dará certo e todos os tipos de coisas darão certo.
Anos vivendo em uma cultura materialista e objetiva, me entregando a um tipo de pessimismo culturalmente reforçado, me deixaram com uma visão aterrada, mais século XXI, da visão daquele dia no Vajra.
Digamos que existe um nível de desenvolvimento da consciência humana que já foi antes considerado quase mítico – Jesus, Buddha e Allah o experimentaram – mas que agora tem uma disponibilidade muito mais aberta para uma muito maior porcentagem da população humana geral, graças à facilidade de encontrar receitas “mágicas”, formulas e métodos de alteração da consciência em livrarias ou disponíveis online.
Crianças de cinco anos estão em um nível de desenvolvimento que as impede de ver perspectiva, enquanto que crianças de sete anos conseguem. Artistas do século doze eram incapazes de criar pontos de fuga em duas dimensões, enquanto que pintores do século 15 dominaram o truque de criar simulações convincentes da realidade. Será que civilizações seguem a mesma curva de crescimento e declínio que organismos humanos com a mesma impressão holográfica reforçada através de todas as escalas?
Eu posso ver como o repentino choque de acessar uma perspectiva natural holística em 5-D pode abalar um sistema nervoso humano despreparado como em um contato com uma inteligência alienígena; um intelecto de ordem mais “elevada”. No que consta o cérebro, é exatamente o que isto é. Novos caminhos neurais estão sendo inscritos no córtex como exigência desta nova maneira de ver. Eu acredito que a mente racional tenta compreender esta nova percepção teorizando um colega de jogo imaginário – o enquadrando em imagens de alienígenas, do fabuloso ou do demoníaco. O fato de que algumas pessoas que tiveram este chamado para despertar relataram a presença de aliens, enquanto outros viram Jesus ou Satanás ou parentes mortos, fadas ou anjos, sugere que os detalhes são determinados culturalmente.
O que é importante desta experiência não é se “existem” alienígenas de um paraíso penta- dimensional onde tudo é grandioso e todos somos amigos. Podem muito bem existir, mas eu não tenho uma prova válida. Muito do que passei até faz sentindo dentro das correntes de pesquisa de teoria das cordas, com sua conversa de cofres fechados de volumes infinitos, seu panorama hiper-dimensional de mudas de universos infantes no hiper-espaço. Os alienígenas são o menor dos problemas.
Por outro lado, minha visão de Katmandu do planeta Terra como uma única forma de vida, este filho único cósmico cujos neurônios somos nós, não requer crença no sobrenatural. Simplesmente acrescente a dimensão do tempo a sua observação da vida, olhe para traz de volta a sua própria história e arvore genealógica retornando todo o caminho até célula mãe original há três bilhões e meio de anos atrás e me diga se consegue encontrar sequer um nó, ou um remendo, ou uma quebra.
Isto pra mim era maior que qualquer pós-vida ultra-dimensional ou quase-religioso, o que não sou incapaz de confirmar até eu morrer e acordar de volta entre as bolhas prateadas ou não. Não podia negar que eu era uma minúscula célula de vida provisória dentro de algo muito, muito grande e muito antigo. Eu até via como esta conexão bruta com todos os seres vivos poderia explicar os mistérios “sobrenaturais” de coisas como telepatia ou reencarnação como uma simples e direta conexão entre galhos distantes da mesma majestosa arvore, como um comichão em seu dedão que envia uma mensagem para seu cérebro, que comanda sua mão a coçar-lo.
Eu estava mergulhado em minha própria história, mais profundamente do que jamais imaginei. Minha irmã cobriu meu quarto com uma colagem de páginas de quadrinhos de forma que toda vez que eu encarava meu reflexo, eu aparecia mais como um painel disposto como cartas de tarô de paginas e imagens esparramadas, parte humano, parte ficção, um super-herói Gnóstico em PVC, óculos escuros e cabeça raspada.
Quanto as drogas, eu misturei vários compostos psicodélicos nos últimos anos da década de noventa, esperando recriar a conexão de Katmandu. Eu queria anular a possibilidade da coisa toda ter sido uma muito prazerosa viagem de drogas, mas nunca encontrei a substancia capaz de reproduzir aquele lugar, e eventualmente desisti.
Restou-me a teimosa convicção de que quando eu morrer, minha consciência iria reiniciar acordada naquele lugar com o mesmo choque do absolutamente familiar, o mesmo zumbido de excitação de um trabalho bem feito.
O choque inicial disso tudo deu lugar a um período de vozes em minha cabeça, incríveis sincronicidades, sinais e sonhos e novos insights impressionantes. Eu estava assombrado, inspirado, possuído. Eu podia deitar em minha cama, entoar uma evocação ou feitiço caseiro, e ser transportado para uma representação ampla e convincente de uma vibração de consciência superior onde um circulo infinito de seres Buda solenemente ignoravam um abismo branco dentro do qual todo o universo esta escoando como água por um ralo. Era ainda melhor do que uma edição de Warlock.
Cada experiência, até os terrores cegos destruidores do ego, foram usados em meu trabalho, enriquecendo centenas de vezes meu trabalho em Os Invisíveis e LJA. Era uma prova do antigo ditado “a males que vem para bem.”** Em uma economia da imaginação, onde idéias, marcas e propriedades intelectuais adquiriam valores incalculáveis, o atraente rosto das minas do submundo era o lugar para estar. Havia ouro nestes fantasmas meus.
Até tentei compreender Katmandu nos termos do conceito muito em voga de que ataques epilépticos do lobo temporal podem engatilhar experiências “religiosas” autênticas. Isto soava ainda melhor do que anjos 5-D. Se a ciência identificasse um gatilho cerebral puramente físico para uma consciência holística divina, não estaria no melhor de nossos interesses que apertássemos este botão imediatamente e quantas vezes formos capazes? O que aconteceria com os assassinos e estupradores em nossas prisões se conseguíssemos estimular uma experiência de contato divino do lobo temporal que os levasse a empatizar com tudo no universo? Se espasmos elétricos no lobo temporal são realmente capazes de causar tão marcantes efeitos de transformação de mundo, vamos vê-los se tornarem mais do que simples porretes com os quais podemos espancar um Deus ausente até a morte. Apertem o botão!
Como alguns podem se lembrar, os anos noventa eram também o tempo do símbolo da onipresente cabeça de alien, uma versão esquisita do smiley dos anos oitenta, na era dos Arquivos X. Em meu delírio imperial, eu estava pronto a acreditar que alguma coisa do futuro estava tentando atravessar as paredes do mundo usando as imagens dos super-heróis e dos alienígenas como sinal transmissor.
* Essa "piada" é uma parábola Budista/Xintoista/Hindu que conta como seis cegos, com a responsabilidade de descrever o que apalpavam separadamente, não conseguiam ver um elefante pelas suas partes.

** O chavão usado originalmente é "Where there's muck there's brass" não consegui achar um equivalente mais próximo que o usado no texto.

Um comentário: